sábado, 29 de julho de 2023

A maior armadilha da precificação, e como escapar aplicando o custeio variável


Precificação é um assunto absolutamente crítico!

Erros em precificação podem tornar empresas menos competitivas se a gente errar para mais; ou até quebrar empresas se a gente errar para menos.

Num mercado de baixa concorrência, precificar é, essencialmente, aplicar nos custos a margem que a gente quer. Mas no ambiente de negócios atual isso é exceção, não regra.

A maioria das empresas está inserida num contexto de concorrência acirrada, e por isso a precificação dos seus produtos e serviços deve ser feita com cuidado.

Esse é um artigo mais extenso, para você que não desiste na segunda ou terceira página. Vamos em frente, pois tem conteúdo valioso aqui.

 

Formas básicas de precificação

Numa visão simplificada, existem três formas de precificação:

1.   Markup, ou seja, a aplicação de um índice multiplicando o custo. Por exemplo, uma loja aplica um markup de 1,8 no preço de custo, para formar seu preço de venda. Se adquire um produto por R$ 100,00, vai vender este produto por R$ 100,00 x 1,8 = R$ 180,00.

2.  Margem. Aqui a referência é o preço de venda. No exemplo acima a margem é R$ 180,00 – R$ 100,00 = R$ 80,00. Se dividirmos esta margem pelo preço de venda temos.

Repare que, no mesmo exemplo, um markup de 1,8x, ou seja, de 80%, equivale a uma margem de 44,44%.

Resumindo esse cálculo todo:

            Custo: R$ 100,00

            Preço: R$ 180,00

            Margem: R$ 80,00

            Markup: 1,8x ou 80,00%

            Margem %: 44,44%

3.    Pesquisa de Preços, quando a gente busca informações no mercado para definir ou ajustar nosso preço de forma a ter competitividade.

Daqui a pouco a gente vai entender que a pesquisa de preços sempre vai andar junto com as outras formas de precificar produtos.

A boa precificação deve balancear o rigor do cálculo matemático com a inteligência de mercado.



 

Cálculo de preços a partir dos custos e da margem desejada

Assumindo que o markup é uma conta bem simples – preço x índice – vamos detalhar melhor com o calcular preço a partir dos custos e da margem que queremos.

Vamos por partes, para fixar bem esse conceito.

 

Exemplo 1: Eu quero receber R$ 100,00 na venda de um produto, e preciso saber como precificar esse produto para pagamento no cartão de crédito, com taxa de 3,9% sobre a venda.

O erro grosseiro é aplicar a taxa de 3,9% no preço, vendendo o produto a R$ 103,90. Fazendo isso, ao descontar 3,9% de R$ 103,90, teremos um preço líquido de R$ 99,85, e não os R$ 100,00 que desejamos.

Como calcular corretamente?

 



Verificação:

Preço=R$ 104,06

Taxa cartão = R$ 104,06 x 3,9%=R$ 4,06

Preço líquido = R$ 104,06 – R$ 4,06 = R$ 100,00 (como desejado)

 

Exemplo 2: No mesmo exemplo acima, agora acrescentamos um frete de 5% e uma comissão de 3%, calculados sobre o preço de venda.

Como vai ficar a fórmula?

Verificação:

Preço=R$ 113,51

Taxa cartão = R$ 113,51 x 3,9%=R$ 4,43

Frete = R$ 113,51 x 3% = R$ 3,40

Comissão = R$ 113,51 x 5% = R$ 5,68

Preço líquido = R$ 113,51 – R$ 4,43 – R$ 3,40 – R$ 5,68 = R$ 100,00 (como desejado)

Acho que já ficou clara a forma de calcular o preço de venda a partir dos custos percentuais que estão “por dentro” do preço.

Vamos agora começar a construir um exemplo mais realista.

 

Exemplo 3: Meu produto tem custo de aquisição (ou fabricação) de R$ 100,00. Sobre a venda temos impostos de 12%, frete de 3%, comissão de 5%, taxa do cartão de 3,9%. Minha empresa tem custos indiretos que correspondem a 30% da receita e eu desejo uma margem de 8% sobre as vendas.

Parece que ficou complicado, mas no fundo é o mesmo cálculo:



Ou seja, ao vender este produto por R$ 262,47, eu “pago” o custo do produto, todos os custos associados à venda, meus custos indiretos e ainda me sobra a margem desejada de 8% sobre as vendas.

Nota: Usei uma conta bem simplificada de impostos aqui para não entrar numa discussão que pode triplicar o tamanho desse artigo.

 



Qual o preço que me dá margem zero?

Por essa lógica, qual o menor preço que eu posso praticar? Para calcular é simples; basta zerar a margem na conta.

 

Matematicamente está tudo correto, mas nós já caímos na armadilha...

Você vai entender no próximo tópico.

 

Uma empresa com vários produtos

Vamos imaginar que o produto do nosso último exemplo seja o produto “A” de uma empresa, que tem alguns outros produtos.

Na planilha abaixo temos os cálculos de preço a partir do custo dos produtos, e também os volumes de vendas, receita total e margem total da empresa.




Na última linha, destacado em amarelo, está o preço mínimo calculado – o menor preço que vendas poderia praticar para o produto não ter margem negativa.

O total de despesas indiretas é R$ 291.338,58, valor que dividido pela receita total indica o percentual de 30% aplicado nos produtos.

Nesta configuração, conforme vemos na planilha, a empresa tem receita mensal de R$ 971.128,61 e margem total de R$ 77.690,29, ou seja, temos exatamente os 8% de margem desejados.

 

Este cálculo está correto se nós pudermos realmente praticar os preços calculados.

 

Enquanto isso, no mundo real...

No mundo real o preço do produto C ficou acima do que o mercado está disposto a pagar. Nosso produto está precificado inicialmente a R$ 131,23 e uma pesquisa indicou que seria possível vender esse produto a R$ 100,00.

Temos um problema, pois o preço mínimo calculado para este produto é R$ 108,46.

Vamos ver o que acontece na planilha.

 


Quando informamos o preço de R$ 100,00 para o produto C, tanto a receita quanto a margem total são reduzidas.

Vamos agora simular a retirada de linha do produto C, um produto aparentemente deficitário.

 


Comparando receita e resultado:


Ou seja, sob a ótica do cálculo de margem, a retirada de linha do produto C reduziu a receita, mas incrementou o resultado.

 

Bacana! Mas esta conclusão pode estar totalmente equivocada...


Despesas indiretas são...   Indiretas!

Embutido no custo do produto C tem 30% de despesas indiretas. Em outras palavras, para cada unidade do produto C vendida a R$ 100,00, tem uma despesa indireta de R$ 30,00 associada. Se eu deixei de vender 250 unidades de produtos, economizei R$ 7.500,00 das despesas indiretas da empresa...

Mas será que isso é verdade?

Quantas pessoas no TI, ou na contabilidade, ou no RH, eu vou reduzir ao comercializar 250 unidades de produto a menos num mês? Provavelmente não vou reduzir ninguém. Também não vou reduzir licenças de sistemas, honorários de consultoria, o pró-labore dos sócios etc.

Ao apropriar as despesas indiretas no cálculo do preço, de forma linear (mesmo percentual para todos os produtos), assumimos como verdade uma relação que pode não existir no mundo real.

 

Custeio Variável

Vamos refazer nossa planilha, agora sob a ótica da metodologia conhecida como Custeio Variável.

 


No custeio variável você parte do preço de venda e abate os custos diretos da venda (impostos, comissões etc.). Depois você abate o custo do produto e chega na Margem de Contribuição, que pode ser entendida como o valor que cada produto deixa na empresa para ajudar (contribuir) no pagamento das despesas indiretas.

No custeio variável, as despesas indiretas são consolidadas, não tendo relação direta com os produtos.

Dito isso, vamos ver o que acontece com o produto C na nossa planilha de custeio variável.

Primeiro, vamos colocar o produto C a R$ 100,00, como fizemos na planilha de margem.

 


Repare que a margem de contribuição do produto C caiu de 38,0% para 26,1%, mas se manteve positiva.

Agora vamos retirar o produto C de linha e ver o que acontece.

 


Comparando os dois cenários, fica óbvio que retirar o produto C de linha é uma decisão equivocada, pois reduz a receita e o resultado da empresa.

 


Conclusões




  • Você pode e deve calcular todos os preços dos produtos a partir do custo, com um rateio linear das despesas indiretas, e acrescentando a margem desejada. Isso vai te dar um ponto de partida, uma boa referência dos patamares de preços que pagam as suas contas e preservam a sua margem desejada.
  • Feito isso, transfira tudo para uma visão de custeio variável e faça os devidos ajustes em preços, baseado nas suas percepções e pesquisas de mercado. Faça também simulações de volume de vendas.
  • Produtos com margem de contribuição negativa precisam ser revistos. É possível reduzir custos? Se não, considere deixar de comercializar.
  • Se tiver que trabalhar com margens de contribuições menores em alguns produtos, encontre outros produtos com espaço para subir os preços. Esse é um jogo de compensações. São essas compensações que vão preservar a sua margem.

Se você chegou até aqui, parabéns! Estou terminando de escrever esse artigo num sábado à noite; realmente me esforcei para gerar conteúdo de qualidade e fico feliz de saber que você se debruçou nesses cálculos para aprender e para levar conhecimento e melhorias para a sua empresa.

Se precisar de um ajuda extra, entre em contato. Esse é o meu trabalho.


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