terça-feira, 26 de maio de 2015

A jornada da acuracidade dos estoques

 


Em 2013 publiquei no Portal Administradores um artigo sobre a importância da boa gestão dos estoques. Para refrescar a memória clique aqui: http://www.administradores.com.br/artigos/negocios/11-dicas-sobre-gestao-de-estoques/68706/

Esse artigo acabou sendo bastante lido e comentado, o que comprova que o tema ainda é bastante relevante. A despeito de todo o avanço tecnológico, a boa e velha gestão dos estoques ainda faz diferença no resultado das empresas. 

No meu trabalho como consultor frequentemente me deparo com problemas aparentemente complexos, mas quando se vai mais a fundo é comum descobrir que a causa raiz é a inacuracidade das informações de estoque. Estoques errados causam erros em planejamento, produção, compras, vendas, etc. Uma verdadeira bola de neve. É curioso como muitas vezes não se percebe que a causa dos erros está no estoque. E mesmo quando se percebe, a tratativa é a pior possível. Quem nunca ouviu a ordem “-Vamos fazer um inventário no final de semana para acertar os estoques!” Puro auto-engano.

Mas por que auto-engano? Simples! A acuracidade dos estoques depende dos saldos corretos e depende também das transações de estoque sendo feitas corretamente, todos os dias. Num inventário os saldos são acertados, mas se os processos ainda estiverem errados os saldos logo ficarão errados novamente.

Essa mesma lógica vale para os trabalhosos e dispendiosos inventários gerais de final de ano. No final é tanto ajuste para fazer que não há tempo para investigar as causas dos erros.

A Jornada da Acuracidade dos Estoques é uma metodologia que pressupõe manter os estoques certos sempre, através de contagens cíclicas (diárias) de uma determinada quantidade de itens. Quando são encontrados desvios, o foco é muito mais na correção dos processos e na prevenção dos erros, do que no ajuste do saldo propriamente dito. Todo o trabalho é feito pelas próprias equipes do almoxarifado, o que reforça o compromisso e o aprendizado contínuo.


A Jornada da Acuracidade dos Estoques


Etapa 1: Aprendizado

  • Kick off do projeto com a participação da direção da empresa.
  • Treinamento dos envolvidos na metodologia.
  • Brainstorming para identificação das causas mais óbvias de erros nos estoques.
  • Plano de ação para correção dos itens identificados no brainstorming.
  • Seleção dos itens para contagem por amostragem.
  • Definição do procedimento de contagem – horário, corte, equipes, etc.

 

Etapa 2: Contagem por Amostragem

Na etapa de contagem por amostragem são contados os mesmos itens todos os dias. O objetivo nesse momento é identificar os erros e corrigir os processos. Se numa contagem um determinado item está com o saldo errado, a transação que gerou esse erro aconteceu no intervalo entre a última contagem e a contagem atual, ou seja, nas últimas 24 horas. Isso facilita bastante descobrir a causa do erro. A prioridade é sempre a identificação e reversão da transação errada. Ajustes devem ser feitos em último caso e com autorização da direção da empresa.

O cálculo da acuracidade é bastante simples: Número de informações corretas / número de informações verificadas x 100%. Se eu contei dez itens e o saldo estava correto em 7 itens, minha acuracidade é de 70%. Saldo correto é quando o saldo no sistema é igual ao saldo físico.

Nós itens contados com balança pode-se adotar algumas tolerâncias, como no exemplo abaixo: 


Na primeira contagem por amostragem não se espante ao descobrir que seu estoque tem acuracidade abaixo de 50%. É bastante comum encontrar resultados assim.

Nessa fase é comum se tratar os seguintes temas:

  • Melhorias do procedimento de contagem.
  • Setorização do almoxarifado.
  • Identificação de necessidades de treinamento.
  • Questões de acesso ao almoxarifado.
  • Questões de confiabilidade de balanças.
  • Erros de digitação.
  • Melhorias no sistema de controle de estoques / ERP.

Quando a acuracidade da contagem por amostragem atinge consistentemente 100%, está na hora de passar para a etapa 3. Isso costuma acontecer em poucas semanas.

 

Etapa 3 – Contagens Cíclicas

Aqui realmente se inicia o inventário aleatório que irá garantir a acuracidade dos estoques. Como grande parte dos erros de processos já foram corrigidos nas etapas anteriores, está na hora de se fazer um inventário do almoxarifado todo. Se tudo der certo, esse será o último.

No primeiro dia útil após o inventário começa a contagem cíclica.

A seleção dos itens para contar diariamente pode ser feita a partir da classificação ABC dos itens, como no exemplo abaixo.

 


O resultado da contagem diária deve ser plotado num gráfico, e a meta é manter o índice acima de 95%. Se a empresa mantém consistentemente a acuracidade acima de 95% é razoável propor a extinção dos inventários gerais, mesmo o de final de ano. Assume-se que o estoque está certo sempre, o que é uma ótima notícia.

 


Para o sucesso desse projeto é de vital importância o envolvimento da direção da empresa, que deve acompanhar o indicador de acuracidade e cobrar da área de estoques a realização das contagens e melhorias. Esse é um projeto que exige disciplina (qual não exige?), mas o retorno é garantido.


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

10 armadilhas das implantações de sistemas empresariais

 


Por que implantações de sistemas de gestão são tão traumáticas? Por que tantas empresas chegam ao final do projeto com a sensação de que a implantação não atendeu às expectativas? Por que os orçamentos estouram? Nesse artigo eu apresento algumas armadilhas que devem ser evitadas.

Nos últimos 28 anos eu estive envolvido com implantações de sistemas empresariais, como os sistemas ERP ou CRM. Já fui cliente, já fui fornecedor, hoje sou consultor. Posso dizer que conheço as implantações de sistemas por todos os pontos de vista possíveis, e isso talvez me permita uma análise isenta. Nesse curto artigo minha intenção é passar um pouco dessa experiência, principalmente para quem está na condição de cliente, ou seja, selecionando um sistema, já implantando, ou que já tenha passado por uma implantação e não está satisfeito com os resultados. Abaixo as armadilhas que se deve evitar:

 

1. Processo de seleção inadequado. O importante aqui é entender que quem está do outro lado é um vendedor, que recebe comissão, tem meta e tem toda uma argumentação de vendas bem delineada em lindos slides de Powerpoint. É preciso assumir a rédea da seleção, identificando questões importantes e verificando a aderência do sistema. As questões vitais do processo da empresa precisam ser validadas nas apresentações dos módulos do sistema ou vistas funcionando em outros clientes. Visitar ou contatar outros clientes é item obrigatório. Nunca compre um sistema de gestão baseado apenas no discurso do vendedor.

 

2. Enxugar demais as horas. A seleção do sistema já está adiantada. Chega a hora da negociação. O gestor da empresa diz “-deixa comigo” e parte para tentar baixar os custos. O risco aqui é a conversa entrar pela redução das horas estimadas para implantação. É normal discutir taxa/hora dos implantadores, valor das licenças, prazo de pagamento, etc. Mas reduzir as horas estimadas para a implantação não faz sentido, pois fazendo isso você está reduzindo o que vai ser entregue. Tentando comparar, seria como entrar numa pós-graduação de 650 horas e pedir um desconto para fazer apenas 500 horas. O escopo do projeto é uma questão eminentemente técnica. Deixe para negociar as questões comerciais.

 

3. Deixar a coordenação com a área de TI. Uma implantação de um sistema de gestão afeta profundamente os processos da empresa e, principalmente, afeta profundamente o dia a dia dos funcionários. Sendo mais claro: É um evento estressante, que mexe com egos, inseguranças e toda a estrutura de poder da empresa. Para conduzir esse processo é preciso um coordenador com cacife pra lidar com conflitos, resistências ou até substituir pessoas. O pessoal de TI tem um papel fundamental nas implantações, mas o coordenador do projeto deve ter o nível hierárquico igual ou superior a todos os usuários envolvidos.

 

4. A replicação dos processos antigos no novo sistema. É fácil cair nessa armadilha. Talvez seja a mais comum. Como a fase de levantamentos tende a ser baseada na avaliação da aderência do sistema aos processos, ao final se tem um projeto que te levará a implantar seus velhos processos no novo sistema. Não está errado, mas é uma tremenda perda de oportunidade. Imagina passar alguns meses virando sua empresa de pernas pro ar, e no final terminar com os mesmos processos. As apresentações do sistema não devem ser vistas só pela ótica da aderência, mas também pela ótica das oportunidades de melhoria. Consultores externos ajudam muito nisso.

 

5. Minha empresa é diferente. Acho que já ouvi essa frase uma centena de vezes. E esse pensamento leva à armadilha do excesso de customizações, que encarece bastante a implantação e leva a uma perigosa personalização do sistema. Todas as solicitações de customização deveriam passar por uma análise criteriosa. Será que não estamos nos apegando a um processo antigo? Será que o sistema não tem outra forma de tratar essa questão? Será que a forma nativa do sistema tratar essa questão não é até melhor que a forma atual? Considere a customização do sistema como a última alternativa, algo que deveria ter a aprovação do presidente da empresa.

 

6. Excesso de migrações de dados. Essa é uma questão simples. É possível migrar cadastros de clientes, fornecedores, produtos, etc., do sistema antigo para o novo. Ok! Mas... ao migrar você está inserindo dados diretamente no banco de dados, sem que essa inserção passe pelas críticas e validações das respectivas telas de cadastro. A dica aqui é, se o cadastro não for gigantesco, cadastre manualmente. O cadastro das tabelas acaba sendo uma atividade que familiariza o usuário ao sistema, além de garantir a integridade dos dados.

 

7. Achar que treinar o usuário é suficiente. A implantação começou. O técnico da empresa fornecedora visita a empresa, senta do lado do usuário e mostra como funcionam as telas do sistema. No final do dia ele vai embora com a sensação de dever cumprido. O papel do implantador é esse: Instalar, parametrizar e ensinar a usar. Se a empresa vai usar o sistema é outra conversa. É muito comum o usuário ser treinado no sistema novo, continuar a usar o sistema velho e ainda por cima esquecer o treinamento. Lembra daquelas horas previstas no escopo do projeto? É por aí que a coisa desanda... É preciso ter uma forte coordenação interna. O sucesso de uma implantação de sistemas de gestão depende muito mais do cliente do que do fornecedor, ou... O fracasso de uma implantação sistemas de gestão é muito mais responsabilidade do cliente do que do fornecedor.

 

8. Tentativas insanas de rodar dois sistemas em paralelo. Hoje eu acho que isso é até pouco comum. Mas não custa alertar. Algumas empresas tentam rodar o novo sistema em paralelo com o sistema velho como forma de validação. Isso parece fazer sentido... mas imagina todo o movimento da empresa sendo feito duas vezes. Quem tem tempo para isso? O que acontece na prática é que o “paralelo” atrasa e com isso não se conclui nada. Para piorar, o projeto cai em descrédito. Substitua o “paralelo” pelo “laboratório” onde cada transação é testada e validada pelos usuários. Se as transações são validadas no laboratório, é de se esperar que ocorram de forma correta após a partida do sistema. Reforçando: O usuário tem que ser o principal executor/validador do laboratório. Assim, quando o sistema entrar no ar, é o “dele" que está na reta.

 

9. Manter controles fora do sistema. O estoque foi implantado, mas o almoxarife tem lá suas anotações numa ficha kardex. O financeiro já está no sistema, mas ainda tem um controle paralelo no Excel. Essa é uma tremenda armadilha, pois no final o sujeito ainda diz que o “sistema” dele é mais confiável. Sistema confiável é o que está sendo usado, pois é com o uso que rotinas e dados são depurados. Se o almoxarife confia mais no kardex, logo os saldos do sistema estarão errados. Lembra do “coordenador que tem cacife”? Hora dele entrar no circuito e botar todo mundo para usar o sistema.

 

10. Implantação que degenera com o tempo. Isso é relativamente comum, até esperado. O projeto acabou. A equipe retoma a rotina e o coordenador é alocado em outros projetos. Se tudo correu bem, o projeto ficou dentro do orçado. A atenção da empresa volta para as rotinas básicas – comprar, produzir, vender, entregar, receber... e o sistema vai sendo incorporado ao dia a dia. Com o tempo a implantação degenera. Os cadastros ficam bagunçados, surgem erros, controles paralelos... A dica aqui é não desmobilizar totalmente a estrutura do projeto. É importante entender que a implantação não acaba, o que acaba é o projeto inicial. O sistema segue vivo como ferramenta de uso da empresa e, principalmente, como ferramenta que possibilita novas evoluções dos processos. E essa manutenção da evolução do sistema tem custo. Talvez o vendedor não te diga isso, mas tem. E eu estou te avisando: Considere isso no orçamento.

O acompanhamento de um consultor externo pode ajudar a empresa a desviar dessas armadilhas e a obter melhores resultados nas implantações. Consultoria não é necessariamente caro. Caro é não ter retorno nos seus investimentos em implantação de sistemas.

Se esse assunto te interessa, entre em contato para uma conversa sem compromisso.